Os números não deixam dúvidas. O financiamento imobiliário – antes praticamente concentrado na Caixa Econômica Federal (CEF) – já ganha terreno nos bancos privados e os coloca na cola do banco público quando o assunto é a tomada de crédito para aquisição da casa própria. Se comparados os cinco primeiros meses de 2017 com o mesmo período de 2018, Itaú, Bradesco e Santander aumentaram, respectivamente, em 21%, 56% e 137% o total de recursos da poupança destinados ao crédito imobiliário. No mesmo período, a Caixa reduziu em 45% o valor. Estimulando uma maior concorrência e, consequentemente, reduzindo a taxa de juros do financiamento, os entes privados agora miram a linha pró-cotista (financiada com recursos do FGTS e considerada a mais barata do mercado fora do Minha Casa Minha Vida – MCMV), ainda em fase de testes. No caso de imóveis usados, a modalidade já não pode mais ser financiada pela Caixa este ano por falta de recursos.
O Santander foi o primeiro banco privado a oferecer a linha pró-cotista aos clientes em agências específicas e com taxa de juros de 8,49%. Fora do pró-cotista, a menor taxa do banco é de 8,99%. O Bradesco também está desenvolvendo esta opção, que deve ficar pronta em novembro deste ano. O público-alvo são clientes que possuem saldo de FGTS com pelo menos 36 meses de contribuição.
De acordo com o vice-presidente da Associação das Empresas do Mercado Imobiliário (Ademi-PE), Tiago Melo, os bancos privados começam a despertar interesse “ainda que de forma tímida” pela linha para imóveis de médio padrão. “O avanço dos bancos privados na linha pró-cotista deve estimular o lançamento de empreendimentos fora do MCMV, mas precisamos de regras claras e continuidade do programa”, salienta Melo. Para ele, o interesse dos bancos privados é uma boa notícia, tanto que a Ademi planeja conversa com as entidades para saber como oferecerão esse crédito.
A ampliação da atuação dos bancos privados e a flexibilização do financiamento imobiliário apontam para a recuperação do setor imobiliário. De acordo com dados da Associação Brasileira das Entidades de Crédito e Poupança (Abecip), entre os primeiros semestres de 2017 e 2018, os empréstimos cresceram 23%, atingindo R$ 25,29 bilhões. Grande parte desse montante é fruto da atuação de Bradesco, Santander e Itaú, que se revezaram até junho nos três primeiros lugares entre os bancos que mais destinaram crédito para financiamento via poupança. A Caixa, ao longo deste ano, só aparece em quarto lugar, com R$ 3 bilhões usados na carteira de crédito para financiamento. “Os bancos privados tendem a atuar cada vez mais fortes no financiamento da casa própria. O estoque de dinheiro que esses bancos têm é grande, e colocar isso no crédito imobiliário é uma possibilidade de empréstimo com mais garantia”, diz o empresário e palestrante especializado em mercado imobiliário Carlos José Berzoti. Por concentrar a grande maioria das operações financiadas com recursos do FGTS, a Caixa ainda consegue seguir como o principal agente financeiro de crédito imobiliário, com participação ao redor de 65%.
Além da falta de recursos, os juros menos atrativos para o Sistema Financeiro da Habitação (SFH) colocaram a Caixa num fogo cruzado com os bancos privados. Mesmo com redução da taxa de 10,25% para 9% ao ano no SFH, a CEF ainda tem o juro mais alto do mercado para o segmento, com os demais bancos praticando de 8% a 8,99%. “Os bancos privados melhoram o setor de financiamento por gerarem uma competitividade entre as entidades, o que pode favorecer o mutuário. Acredito que em relação aos juros no SFH, daqui a 90 dias essas taxas vão cair. Pelo que temos conversado com o setor e com os bancos, já há uma pressão por redução dos juros a um patamar mínimo de 8,4% ao ano”, diz Berzoti.
Segundo ele, os bancos privados melhoram a competitividade entre as entidades, favorecendo o cliente. “Todo mundo corre para a Caixa quando quer financiar porque lá a taxa de juros nesse segmento é de 7,65%”, disse, salientando que, por isso, houve o fim do financiamento da linha pró-cotista para imóveis usados este ano.
A professora de inglês Laura Freitas se beneficiou dessa concorrência e conseguiu iniciar o financiamento do seu apartamento próprio este ano. “Há quatro anos eu penso em comprar meu apartamento próprio e estava economizando. Do ano passado para cá, percebi que os preços deram uma estagnada. Então, em março paguei a entrada”, conta Laura, que ainda conseguiu “surfar” na onda de redução das taxas de juros.
Flexibilização – Na tentativa de dar eficiência ao mercado de crédito imobiliário, o Comitê Monetário Nacional (CMN) flexibilizou o financiamento de residências por meio da resolução 4676. O objetivo é facilitar as regras de direcionamento dos recursos usados pelos clientes da construção civil, um pleito antigo do setor. O acesso a recursos do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) e da poupança, por exemplo, foram ampliados.
Um dos itens abordados pela resolução é a ampliação do teto de imóveis financiados através do FGTS para o valor de R$ 1,5 milhão em todo o País. O novo limite começaria a valer em 1º de janeiro de 2019, mas, na semana passada, o governo federal prometeu aos empresários da construção civil que anteciparia a mudança do valor máximo para este ano.
Além disso, o CMN flexibilizou a parcela que os bancos são obrigados a aplicar em crédito imobiliário. Até agora, os bancos precisavam destinar 65% dos recursos da poupança para o financiamento de imóveis, dos quais 80% deveriam ser empregados no SFH. Com a entrada em vigor desse item da resolução, os bancos poderão usar o montante proveniente da poupança para financiar imóveis de qualquer valor.
“Além da flexibilização das regras e da efetividade do direcionamento, também temos o incentivo a financiamentos de imóveis de menor valor. Definimos um multiplicador de 1,2 que funciona quando a instituição financeira faz o financiamento de imóveis até R$ 500 mil. Isso aumenta em 20% a eficiência do direcionamento”, explica o chefe do Departamento de Regulação do Sistema Financeiro do Banco Central (Denor), João Andre Calvino Marques Pereira. Pelos cálculos do Banco Central, esse conjunto de ajustes irá injetar cerca de R$ 80 bilhões ao crédito imobiliário. O aperfeiçoamento do direcionamento dos recursos usados para a compra de imóveis faz parte da agenda BC que tem como objetivo revisar questões estruturais do BC e do Sistema Financeiro Nacional (SFN).
Fonte: ibrafi.org.br